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ECONOMIA A inflação é de 5.500% por ano12 de janeiro de 1994
Se o país não se acertar, esta será a taxa de 1994 com a alta de preços de 40% ao mês
O Brasil entrou novamente em ebulição
inflacionária e, se alguém ainda não está preocupado com isso, é bom
ligar o alarme. Enquanto o ministro da Fazenda, Fernando Henrique
Cardoso, negociava no Congresso seu programa de estabilização da
economia, a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade
de São Paulo, Fipe, divulgou na semana passada a inflação de dezembro.
Deu 38,52%. Para o mês de janeiro, a Fipe projeta uma taxa de 40%. Pode
ser apenas o começo. O consultor Cláudio Contador, do Rio de Janeiro, um
analista de cenários econômicos, acredita que a taxa mensal pode bater
em 50% se o Ministério da Fazenda conseguir fazer apenas uma parte do
que pretende. Se as negociações com o Congresso fracassarem
completamente, acha Contador, o índice chega a 100% ao mês ainda no
primeiro semestre. "Ainda não estamos na hiperinflação", tranqüiliza o
ex-ministro do Planejamento João Paulo dos Reis Velloso. "Se o país não
se mexer enquanto há tempo, pode marchar para o abismo", adverte.
Na interpretação do governo, a inflação
está subindo justamente porque o Ministério da Fazenda está se mexendo.
Eis o raciocínio:
1. Os empresários estão usando as medidas em discussão no Congresso como desculpa para os aumentos exagerados de preços.
2. A indústria e o comércio já haviam
aumentado os preços por conta do IPMF, em agosto passado. Esqueceram-se
de baixá-los quando a Justiça proibiu a cobrança do imposto em 1993.
Agora que vai mesmo entrar em vigor, o IPMF serve de justificativa para
novos aumentos.
3. O comércio e a indústria estão
carregando nos reajustes para esperar a chegada da unidade real de
valor, URV, com os preços o mais alto possível.
"Elite estúpida", reagiu o ministro
Fernando Henrique Cardoso diante de um assessor na semana passada.
"Desse jeito, eles estão querendo é um congelamento de preços." Na
quinta-feira passada, o ministro telefonou ao presidente da Câmara,
deputado Inocêncio Oliveira, do PFL de Pernambuco, para pedir mais
pressa na tramitação do pacote econômico. No telefonema, Fernando
Henrique chegou a defender a prisão dos empresários que estão
especulando com os preços. "Cadeia neles", propôs.
"CURVA PERIGOSA" - Há
realmente um exagero de apetite por parte de alguns empresários. Os
preços de alguns alimentos tiveram aumentos inexplicáveis em dezembro:
ovos, 56%; frango, 52%; açúcar, 51%; óleo de soja, 48%. Existe também um
pouco de ganância e um clima de preocupação gerado pelo próprio
governo. A falta de clareza na apresentação de alguns pontos importantes
do programa econômico contribuiu para agitar a praça. Da URV, por
exemplo, sabe-se apenas que será o indexador da economia e subirá
conforme a elevação do preço do dólar.
Quanto ao Orçamento, ele é um caixote
obscuro. O governo afirma que está cortando despesas como nunca, mas as
despesas na verdade aumentaram em relação a 1993. De um lado, a Receita
Federal vive se gabando de aumentos brutais na arrecadação e de outro, a
Fazenda pede aumento de impostos. Mas o plano FHC2 é o melhor que se
poderia ter feito nas circunstâncias atuais. Melhor ainda: todas as suas
medidas, ao contrário dos cinco congelamentos autoritários dos governos
Sarney e Collor, foram demoradamente discutidas com a sociedade. Mas
ainda não é o bastante. Inflação de 40% ao mês é igual a inflação de
5.500% ao ano. Não há país que funcione normalmente assim. E se a coisa
andar mais 10 ou 20 pontos, pulando para os 60% de inflação ao mês,
então o Brasil terá cruzado a barreira da desordem, com uma taxa anual
de quase 30.000%. "Ainda não chegamos ao desfiladeiro, mas estamos numa
curva perigosa muito próxima dele", aponta o professor Mario Henrique
Simonsen. A verdade é essa: na incerteza, todo mundo remarca os preços.
Não há como evitar nem polícia resolve, como ficou claro nos
congelamentos.
Felizmente, os analistas só acreditam
numa hiperinflação se o governo errar em todas as tentativas de ajuste. A
maioria dos economistas não vê chances de uma explosão inflacionária se
Brasília souber administrar alguns triunfos que adquiriu recentemente e
outros que já fazem parte da tradição inflacionária. O mais importante
são as reservas cambiais, de 30 bilhões de dólares. Elas podem ser
usadas para abafar movimentos especulativos no mercado financeiro. Outro
é a organização da contabilidade pública. Hoje, o governo sabe
exatamente de quanto dinheiro precisa e faz emissões de moeda com mais
segurança. Finalmente, existe a indexação. O mercado financeiro oferece
proteção ao dinheiro e impede que as pessoas corram desordenadamente
para trocar o salário por mercadorias e por moeda estrangeira no dia do
pagamento. A falta de confiança na moeda é o maior sintoma da híper. O
brasileiro, que não confia no cruzeiro real, ainda acredita no cruzeiro
real indexado. Isso evita a explosão, mas não o problema. Mesmo que a
taxa da inflação fique perto dos 40% nos próximos meses, esse índice já é
suficiente para produzir uma desorganização monumental na economia.
O presidente Itamar Franco assumiu em
outubro de 1992 com uma inflação de 25% ao mês. Marcílio Marques
Moreira, quem diria, deixou saudade. Apesar do salto da taxa durante o
governo Itamar, pouca coisa parece ter mudado na superfície do país
nesses catorze meses. As fábricas continuam funcionando e as lojas
vendendo. As pessoas vão às compras. O clima é de que não existe nada de
grave no ar. Pura impressão. "A inflação provoca uma espécie de
embriaguez na economia", compara o economista Dionísio Cerqueira, da
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. "O efeito da
primeira dose é forte, mas ninguém percebe que fica mais bêbado quando
passa do quinto para o sexto uísque. O organismo, no entanto, fica cada
vez mais intoxicado." O Brasil sofre desse mal: não percebe quanto está
envenenado. Tanto que ninguém parece estar encarando o combate à
inflação como uma necessidade dramática.
REMARCAÇÕES DESORDENADAS -
O fígado da economia está hipersensível. Ao primeiro sinal da alta nas
taxas inicia-se um movimento frenético. Os empresários buscam as
soluções primeiro. Na semana passada, a General Motors anunciou que
pretende seguir a Fiat na política de reajustes diários dos preços da
maioria de seus automóveis. Esse é apenas um sintoma. Nas firmas
menores, as tabelas são remarcadas desordenadamente e deixam de refletir
o valor que um empresário gastou para produzir sua mercadoria. Isso já
começou a acontecer.
O empresário Cláudio Colucci, dono de
uma indústria de roupas infantis que emprega 150 pessoas no Paraná e em
Santa Catarina, costumava virar sua tabela de preços no final de cada
mês depois de calcular o aumento do custo do pano, da linha e dos
salários das costureiras. Em janeiro, resolveu mudar de tática. Aumentou
suas mercadorias em 30% logo na primeira semana do mês. "Resolvi me
antecipar aos meus fornecedores", explica com naturalidade. A impressão é
de que o empresário sempre ganha com esse tipo de prática. Impressão
falsa. "Quando todo mundo perde a noção do preço, o risco cresce para
nós", diz o fabricante dos brinquedos Elka, Emerson Kapaz. "Se eu
remarco minha mercadoria abaixo da inflação, tenho prejuízo. Se aumento
muito, perco freguesia e tenho prejuízo do mesmo jeito." Bem, isso em
tese. Há muitos e muitos anos a elite brasileira enche a mala de
dinheiro com a ajuda da inflação. Quando, porém, a espiral dos preços
passa de determinado patamar, as relações de produção e comércio se
desorganizam e todos perdem.
O prejuízo de verdade fica para os de
sempre. Desnecessário dizer quem são eles. Conforme um cálculo do
professor Carlos Luque, diretor de pesquisas da Fipe, o salário perde um
terço de seu valor durante o mês numa inflação de 40%. E a coisa vai se
dramatizando na medida em que os preços sobem mais. A dramatização, em
certos casos, acaba em baderna, como ocorreu tantas vezes em tantos
países.
Pelo movimento dos juros bancários na
semana passada, chegou-se ao limiar desse momento. Na última semana, os
juros enlouqueceram. Na quarta-feira, os bancos ofereciam até 53% ao mês
pelas aplicações em CDB aos donos de grandes boladas. O cliente com
saldo negativo no cheque espcial pagava juros mensais de 58% - 18% acima
da inflação. As taxas pedidas pelos bancos para rolar os papagaios
oficiais chegaram a 25% reais ao ano. Correu um frio pela espinha da
Esplanada dos Ministérios. Para quem acha que essa flutuação de juros no
mercado financeiro é um movimento meramente especulativo e abstrato,
basta olhar o mundo concreto com atenção para ver que a desorganização
está por toda parte. Na semana passada, 15 toneladas de moedas foram
vendidas como sucata porque não valiam mais nada e acabaram derretidas
no forno da Acesita, em Minas Gerais.
PADRÃO DO CONTINENTE -
Com os seus 2.600% de inflação ao ano, o Brasil alinhou-se a um time de
brutos. Em matéria inflacionária, está ao lado da Sérvia, um país
destruído pela guerra civil, e da Ucrânia, a antiga república soviética
cuja economia voltou ao sistema de escambo porque a moeda desapareceu. O
Brasil também ficou sozinho em seu próprio território, a América
Latina. Os países latino-americanos com maior poder econômico, como o
México, a Argentina e o Chile, fecharam o ano de 1993 com inflação
abaixo de dois dígitos. A inflação mexicana é a mais baixa em vinte
anos. A marca argentina, de 7%, é a melhor dos últimos trinta anos.
Fica a impressão de que o Brasil se
descolou do padrão do continente para se transformar numa aberração sem
conserto possível. Os números brasileiros são uma aberração, não há
dúvida, mas sua economia tem conserto. Países que hoje ostentam inflação
moderada e crescimento econômico razoável passaram, é bom lembrar, por
problemas piores que os do Brasil. A Argentina, atualmente muito
orgulhosa de ssua estabilidade, beijou a híper em 1989 e enfrentou uma
estagnação em sua economia que durou vinte anos. O México, hoje muito
orgulhoso de formar um mercado comum com os Estados Unidos e o Canadá,
parou em 1981, ano em que os juros internacionais explodiram. Ficou sem
dinheiro e sem crédito para abastecer sua indústria de matéria-prima.
Em momentos diferentes, esses países
passaram por ajustes econômicos com graus variados de dor e se salvaram
da rotina da inflação. Assentada em terreno estável, a maioria deles
está crescendo ano após ano. É o prêmio pelo sacrifício de cortar o
déficit público, privatizar estatais, melhorar o sistema tributário e
abrir sua fronteira ao mercado mundial.
O Brasil até agora se recusou a
enfrentar o desconforto do ajuste, e o resultado é que brinca há vários
anos com a bola da hiperinflação. Mais do que isso. Por não reformar o
Estado nem estabilizar a sua moeda, desde o início da década de 80 o
país anda de lado. O seu produto interno bruto, PIB, cresce num ano para
cair no outro. Cresce por acaso, aos tropeços, Em 1993, o PIB subiu
4,5%. É um belo resultado para um país com uma superinflação e um
governo sem rumo, mas é duvidoso que ele se repita em 1994. "É quase
impossível que o país cresça nesse ambiente", diz o empresário e
economista Roberto Teixeira da Costa, um especialista em questões
latino-americanas.
SACRIFÍCIO - O
brasileiro comum odeia a inflação há muito tempo e as vítimas do monstro
estão por toda parte. O funcionário público mineiro Wellington Campos
Coutinho passou três anos pagando as prestações de uma sala que
pretendia dar de presente ao filho, que estuda economia. Quando começou a
pagar as parcelas, a inflação consumia 10% de seu salário. Este mês,
Coutinho desistiu: a prestação consumiria metade dos 650.000 cruzeiros
reais que ganha como fiscal federal. "Tive que desfazer o negócio",
reclama.
O Brasil, um país com 150 milhões de
vítimas da inflação, amadureceu bastante na maneira de encarar o dragão.
A maioria das pessoas concorda que não há chance de estabilizar a
economia se os cofres públicos continuarem furados. O que falta é alguma
unidade, entre políticos, empresários e chefes sindicais, sobre a forma
de distribuir o sacrifício implícito num programa sério de ajuste. É
esse problema político que está impedindo a batalha final contra o
monstro inflacionário. Não há no Brasil de hoje forças políticas capazes
de impor uma linha de ação contínua aos demais atores sociais. Cada
grupo quer uma coisa e não se vai para lado algum.
Todo mundo parece ter alguma coisa
contra o ajuste. As corporações de funcionários se opõem à privatização
das estatais com receio de perder seus privilégios, que são maiores do
que se imagina. Na semana passada, a Secretaria de Administração Federal
divulgou um relatório com os salários nas estatais. Há gente ganhando
19.000 dólares por mês no Instituto de Resseguros do Brasil, empréstimos
sem juros nem correção aos empregados da Telebrás e funcionários dos
escritórios da Petrobrás, no centro do Rio de Janeiro, ganhando
adicional de periculosidade. Os usineiros do Nordeste não querem perder
subsídios. Os empresários ameaçam aumentar seus preços toda vez que se
sentem ameaçados com mais impostos. Estados e municípios querem
continuar comendo a mesma fatia da torta federal. Há duas razões para
isso. A primeira é a resistência ao sacrifício. A segunda é a
desconfiança quanto aos que querem os cortes - neste momento, Fernando
Henrique e sua equipe.
Para efeito de ajuste, o Brasil está
funcionando como uma família de egoístas. O salário do chefe não cobre o
gasto e todos sabem que é preciso cortar alguma coisa para que a casa
não caia. Mas a mulher não abre mão do perfume, a filha adolescente não
dispensa o curso de balé e o menino quer de qualquer jeito um skate novo
no aniversário. Assim não dá. |
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