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''A reeleição foi comprada''

Itamar Franco afirma que governo impede CPI e que Fernando Henrique Cardoso queria, mas não tem coragem de ser como o peruano Fujimori


As olheiras do presidente da República Fernando Henrique Cardoso aumentaram na última semana. Resultado de uma insônia que tem nome: Itamar Franco. Na madrugada de terça-feira 12, o presidente foi duas vezes tirado da cama pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Carlos Veloso. Depois de levar e trazer recados de um lado para outro, às 3h da manhã, Veloso finalmente desistiu do papel de mediador entre o governador de Minas Gerais e o presidente. A essa altura o Exército já se deslocava para a fazenda Córrego da Ponte, em Buritis, de propriedade da família de FHC, para proteger o imóvel que, segundo informações do serviço de inteligência do Palácio do Planalto, corria o risco de ser invadido pelo Movimento dos Sem-Terra (MST). Em resposta ao que considerou uma intervenção indevida em seu Estado, Itamar elevou o tom. Deu um ultimato ao presidente para retirar as tropas de Minas, caso contrário a Polícia Militar mineira poderia entrar em ação. Mas o MST deixou a fazenda e o confronto acabou não acontecendo. Na manhã da quinta-feira 14, o governador desembarcou em Brasília para protocolar um mandado de segurança no Supremo apontando como inconstitucional o fato de o presidente da República convocar as Forças Armadas para proteger uma propriedade particular. Ao mesmo tempo que entrava com a ação no STF, ameaçava desapropriar o imóvel que está em nome dos filhos de FHC. No final de uma semana em que ocupou espaço privilegiado em toda a mídia e com índices de popularidade encostando nos de Ciro Gomes na corrida presidencial de 2002, Itamar estava feliz. Cercado de fiéis auxiliares e de frente para uma indefectível cesta de pão de queijo, na noite de quinta-feira 14 o governador falou a ISTOÉ. Bateu mais forte ainda. Acusou FHC de ter comprado a reeleição, disse que vai acertar as contas com seu ex-ministro nem que seja no inferno e acusou-o de querer “um cadáver em Minas. Não sei se até o meu”.
ISTOÉ – O presidente acusa o governo de Minas de não dar proteção à fazenda de sua família. É verdade?
Itamar Franco – Não, não é verdade. É importante dizer que o MST não invadiu a fazenda. Dissemos que tão logo fossem levantadas as informações pela PM seriam repassadas ao governo federal. Solicitamos ainda que indicassem quais as fontes que deram origem às informações de que a fazenda seria invadida. As nossas informações eram diferentes.

ISTOÉ – Em que momento ficou claro que não haveria mais entendimento?
Itamar – Por volta das 22h da segunda-feira (dia 11) houve um telefonema pouco educado do general Jorge Alves, subchefe do gabinete institucional, para nosso comandante. O general chegou a dizer que nosso comandante não sabia ler. Em seguida, veio outro fax informando que o sr. presidente da República decidiu empregar preventivamente as Forças Armadas. Determinei que a Polícia Militar então se afastasse da área para evitar choque. E essa propriedade nem sequer é do presidente da República.

ISTOÉ – De quem é?
Itamar – Essa fazenda tem algum mistério. Muito complicada essa transação imobiliária. Metade pertence a um homem chamado Jovelino Mineiro e a outra metade pertence aos filhos de Fernando Henrique.

ISTOÉ – O que há de misterioso?
Itamar – Por que não se pediu proteção aos prédios que pertencem ao patrimônio público e foram invadidos pelo movimento? Por que apenas essa fazenda tem que ser protegida pelas Forças Armadas? Aquilo de repente virou símbolo nacional. Desde quando essa fazenda, Córrego da Ponte, só porque o presidente eventualmente lá está, vira símbolo nacional?

ISTOÉ – Existe algum problema pessoal entre o sr. e o presidente?
Itamar – Qual o confronto pessoal que eu teria com o presidente? Eu que o fiz ministro duas vezes. Na época, fui um dos poucos que defenderam a candidatura dele quando nem o PSDB queria. 


Com o MST sempre em seu calcanhar, já era tempo de o governo ter aprendido que a propaganda não é a alma do negócio, pelo menos quando o assunto é a reforma agrária. O MST decidiu enfrentar FHC pela terceira vez neste ano porque o Planalto ignorou parte das promessas feitas na mesa de negociações. O Ministério do Desenvolvimento Agrário recebeu até agora só 19,8% do R$ 1,78 bilhão previsto no orçamento deste ano, segundo o Sistema Integrado de Administração Financeira do Tesouro Nacional. Mas, ao contrário do que o seu nome indica, o Ministério deixou para segundo plano as ações agrárias, preocupando-se mais em desenvolver a sua imagem: gastou 61,68% dos R$ 4,42 milhões da verba prevista para a propaganda. Um dos projetos de reforma agrária, o chamado Novo Mundo Rural/Assentamento, por exemplo, recebeu apenas 13,5% de sua verba. O ministro Raul Jungmann disse que esses dados não refletem a realidade das verbas liberadas.
Neste novo round, FHC deparou-se com um MST mais hábil politicamente e menos radical. “Criamos um fato político para denunciar que o governo não está cumprindo seus acordos. Queremos R$ 2 mil por família para financiar o plantio”, explicou o coordenador do MST João Pedro Stédile, que escreveu uma carta ao governador Itamar Franco garantindo que os sem-terra não invadiriam a fazenda dos Cardoso.
FHC já estava incomodado com o anúncio de que o plebiscito da dívida externa, encabeçado pela CNBB, com o apoio do próprio MST, teve adesão de 5,5 milhões de pessoas, dos quais 90% optaram pelo não pagamento da dívida sem a realização de uma auditoria pública. Logo depois, o governo endureceu, suspendendo as liberações de créditos e as negociações com o movimento. “O MST não tem autoridade para fazer reforma agrária sozinho. Precisa do governo para isso. Mas, enquanto não houver respeito, não teremos mais conversa com eles”, extrapolou Jungmann.
Florência Costa


Beto Magalhães/Jornal Hoje em Dia/AE

Polícia mineira cerca o Plácio da Liberdade: confronto
ISTOÉ – Quem no partido não o queria? Mário Covas? José Serra?
Itamar – Tinha informação de que eles não queriam. Eu o escolhi porque acreditei que ele poderia dar ao Brasil aquilo que não pude dar em dois anos e dois meses.

ISTOÉ – O sr. esperava um tratamento mais cordial.
Itamar – A gente sempre espera.

ISTOÉ – No episódio do PMDB, por exemplo?
Itamar – Aquilo foi muito triste. Quando vi a fotografia do presidente sorridente no meio daqueles homens do PMDB com uma taça de champanhe, falei: Meu Deus do Céu, a que ponto chegou esse homem!

ISTOÉ – Quando o sr. se decepcionou?
Itamar – Quando era embaixador comecei a fazer uma série de críticas à política econômica, social e alguns atos dele. Elas se tornaram mais evidentes no processo de reeleição. Foi uma reeleição comprada e ele impediu depois uma CPI para apurar. O governo dele tem duas coisas interessantes. É totalmente dependente do capital financeiro internacional e não permite que se apure nada sobre o seu governo.

ISTOÉ – O governo é corrupto?
Itamar – Digo que ele não permite que se apure. Aliás, a frase não é minha. Alguém (Ciro Gomes) disse que ele não rouba, mas permite que roubem. Eu não o vi processando essa pessoa. Se disserem isso de mim, eu processo.

ISTOÉ – O sr. estava preparando um levantamento sobre o governo para apresentar na subcomissão do Judiciário no Senado. O que apurou?
Itamar – Ainda estou rastreando. No Banco Central, no Ministério da Fazenda, no Planejamento, no Serpro, em muitas áreas do governo. De repente sou surpreendido com a atuação do presidente e de alguns auxiliares que trabalharam comigo. Será que fizeram alguma coisa nas minhas costas?

ISTOÉ – O senador ACM disse que duvida da sua sanidade mental.
Itamar – Não respondo a esse cidadão.

ISTOÉ – O sr. viu o Arnaldo Jabor na tevê? Disse coisas semelhantes.
Itamar – Quando eu era presidente, ele escreveu um artigo me elogiando, dizendo que eu era um grande presidente. Quando vi esse sujeito na tevê, com aqueles olhos esbugalhados, babando de ódio, pensei: Meu Deus do céu, se não mudar de canal, esta noite eu não durmo.

As terras da discórdia
Quando comprou, há 11 anos, a fazenda Córrego da Ponte, em Buritis (MG), junto com o amigo Sérgio Motta, FHC não imaginava que estava adquirindo sarna para se coçar. Com seus 1.046 hectares, a fazenda agora se transformou em campo de batalha, tendo de um lado Fernando Henrique e de outro o governador Itamar Franco. Ao acionar o Exército para proteger uma propriedade privada que hoje não está nem mais em seu nome, e sim no de suas filhas Luciana e Beatriz, FHC detonou uma guerra com Itamar, atraiu os holofotes para o protesto do MST e foi acusado de dar tratamento privilegiado às terras de sua família. FHC foi criticado até mesmo pelo administrador da fazenda, Wander Gontijo, por não cumprir os acordos fechados com os sem-terra. Mas o estrago não parou aí. O presidente conseguiu ainda chamar a atenção para o sócio de suas filhas no imóvel. Jovelino Carvalho Mineiro Filho é acusado de ser grileiro pelo MST do Pontal do Paranapanema (SP), região formada praticamente por terras devolutas.
O geógrafo Bernardo Mançano Fernandes, professor da Universidade Estadual Paulista em Presidente Prudente, conta que Jovelino, casado com uma filha do ex-governador de São Paulo Abreu Sodré, é dono da Fazenda Santa Maria. “Esta fazenda (de 5,5 mil hectares) está incrustada em uma área de 500 mil hectares que foi grilada no final do século passado. O governo Covas desapropriou 66 mil hectares desta área de terra devoluta. Não há lógica para não desapropriar a fazenda de Jovelino pelo mesmo motivo”, observou o geógrafo.
O MST – que já ocupou a fazenda de Jovelino duas vezes neste ano – está reivindicando do Instituto de Terras de São Paulo que divulgue o resultado de uma ação discriminatória da área, cujo objetivo é identificar a cadeia dominial das terras até se chegar ao grileiro original. Além de criar gado, Jovelino arrendou para camponeses um pedaço da terra para o plantio de algodão, mas a experiência fracassou e hoje, sem terra e sem dinheiro, eles aderiram ao MST.
F.C.

ISTOÉ – O ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, soltou uma nota chamando-o de “irresponsável, inconsequente, irracional, destemperado”.
Itamar – Pessoa sem caráter, não respondo. Esse cidadão deve responder primeiro ao doutor Egydio Bianchi (ex-presidente dos Correios) e à dona Vilma Motta (viúva de Sérgio Motta).

ISTOÉ – O sr. não responde ao ministro Pimenta, mas responde ao presidente. O presidente tem caráter?
Itamar – Caráter? Deixe-me pensar nisso cinco segundos... Acredito que o presidente da República não é aquele homem que foi meu ministro de Estado e meu candidato à Presidência. Não sei se as forças espirituais vão fazer com que voltemos a conversar, a nos encontrar. Talvez isso só ocorra no inferno. Sobre o caráter dele, prefiro não me manifestar. Veja bem: estou deixando dúvida sobre o caráter dele. Não é como o outro (Pimenta), que não tem caráter.

ISTOÉ – Com a polêmica, o sr. não estaria antecipando a campanha de 2002?
Itamar
– Estou sem partido e não sou candidato. Mas costumo dizer que a gente não deve usar a expressão nunca.

ISTOÉ – O sr. pode voltar ao PMDB?
Itamar – Não. Essa gente que lá está não vai deixar de comandar e eu não quero ver repetida aquela cena terrível, grotesca e miserável que eu vivi em 8 de março na convenção. Dizem até que eu procurei uma senhora com forças espirituais no interior de Minas e joguei praga contra eles.

ISTOÉ – O Jader Barbalho (presidente do PMDB) é um deles?
Itamar – Ele foi derrotado para governador.

ISTOÉ – O Luiz Estevão?
Itamar – Não preciso nem comentar. Vocês já sabem. E tem também, no PT, o ex-governador Cristóvam Buarque, que falou mal de mim e foi derrotado.

ISTOÉ – E quem é essa, digamos, personal-vidente?
Itamar – O Albano Franco (PSDB, governador de Sergipe) me disse que está doido para descobrir. Mas eu nunca conversei com ela.

ISTOÉ – O sr. se dá bem com o Albano Franco, mas vive brigando com os tucanos.
Itamar – Há figuras no PSDB que respeito, como José Serra, o deputado Aécio Neves e o governador Mário Covas.

ISTOÉ – E o Tasso Jereissati?
Itamar – O doutor Tasso que me perdoe. Jamais será candidato à Presidência. Eu ouvi do presidente Kubitscheck que é melhor ser amigo do rei do que ser rei. Ser rei dá muito trabalho. Acho que ele prefere ser amigo do rei.

ISTOÉ – O sr. tem reclamado dos meios de comunicação...
Itamar – A mídia, com as devidas exceções, está sendo dirigida e manipulada pelo poder central. Coisa que nem na ditadura militar nem na de Getúlio Vargas aconteceu. O governo Fernando Henrique ainda vai pagar por isso. Ele quer fazer com que o Brasil um dia passe a ser comandado não pelas forças políticas eleitas, mas pelo capital internacional. Esse homem não pode continuar comandando os destinos do Brasil.

ISTOÉ – O sr. era bajulado pela imprensa quando estava na Presidência?
Itamar – Certa vez recebi no Planalto um homem de imprensa muito importante, mas muito importante mesmo. Esse homem entrou no meu gabinete chorando muito. Perguntei por que ele chorava. Ele respondeu: “Eu quero agradecer o que o sr. fez por mim e pela minha empresa. O que o sr. quer de mim?” Eu respondi que só queria uma coisa: mesmo depois que deixasse o governo, queria que seus veículos falassem a verdade a meu respeito. Cinco meses depois que deixei o Planalto, seu principal veículo passou a me atacar.

ISTOÉ – O sr. disse que teve informações sigilosas de que poderia haver algum ato contra o Palácio da Liberdade.
Itamar – Não posso revelar. Só uma pessoa sabe, o José Aparecido (ex-ministro das Relações Exteriores).

ISTOÉ – Tanques não foram exagero?
Itamar – Eu deveria ter feito mais. É exagero eu proteger o símbolo de Minas? Não acham exagero o Exército proteger uma fazenda? Quem gastou mais?

ISTOÉ – O sr. não teme uma crise institucional num confronto entre a PM e o Exército?
Itamar – Quem vai ser culpado se houver alguma coisa é o presidente.

ISTOÉ – Por que ele?
Itamar – É ele quem está provocando. Em 45 intervenções da PM não houve uma morte em Minas. O presidente quer um cadáver em Minas. Não sei se até o meu, mas ele está doido para ter um cadáver em Minas. Está doidinho. O doutor Fernando Henrique Cardoso, presidente da República, sociólogo por formação, quer um cadáver em Minas.

ISTOÉ – O sr. acha que ele quer decretar uma intervenção em Minas?
Itamar – Ele não tem coragem. Manda ele fazer!

ISTOÉ – Minas foi desrespeitada?
Itamar – O Brasil. O meu Estado é a síntese do País e não vou permitir que as forças da PM sejam ofendidas.

ISTOÉ – O sr. disse que pretende desapropriar a fazenda do presidente. Isso não é uma bravata?
Itamar – Se a procuradora-geral do Estado, a sra. Misabel Derzi, me disser para ir em frente, pode contar que vou.

ISTOÉ – Mas por que essa fazenda?
Itamar – Ela está me causando toda essa preocupação. Está desmoralizando os símbolos nacionais e a federação. Será que não basta?

ISTOÉ – O sr. está disposto a fazer uma guerrilha contra o governo federal?
Itamar – Só se for necessário.


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